Há amplo consenso no Brasil com relação à exorbitância da taxa
básica de juros fixada pelo Banco Central e agravada pelo, também exagerado,
"spread" cobrado pelo sistema bancário.
A pesquisa de opinião divulgada
na semana passada pelo BMG, processada pelo Ibope Solution sobre o controvertido
crédito consignado, lança algumas luzes sobre o assunto e merece, por isso,
alguma reflexão crítica.
O dinheiro tomado emprestado nesta modalidade
de crédito, de custo significativamente mais baixo que o do crédito pessoal
comum, é destinado, em 50% do seu valor, à liquidação de dívidas anteriores
contraídas junto ao sistema bancário ou a agiotas. A outra metade destina-se à
aquisição de bens e serviços.
A grande aceitação do crédito consignado
por parte de trabalhadores e aposentados deriva do seu baixo custo em comparação
com o custo do dinheiro no mercado. O crédito consignado é democrático,
pulverizado e solidamente garantido, permitindo, assim, aos bancos que o
oferecem, um custo operacional bastante inferior ao do mercado de crédito de
modo geral. Não obstante, vem assegurando aos pequenos bancos, que se dedicaram
a explorar este nicho de mercado, excepcionais resultados operacionais.
Alguns pequenos bancos já vinham explorando esse nicho há mais tempo, em
convênio com estados e sindicatos de operários. Mas o negócio só ganhou impulso
quando o Governo Federal o regulou, acolhendo pleito das centrais sindicais,
incluindo entre os elegíveis os aposentados da Previdência Social pública.
Primeiro, a operação com aposentados e pensionistas ficou limitada apenas aos
bancos que pagavam benefícios da Previdência Social pública. Depois, diante do
desinteresse deles, e provavelmente, porque consideravam a taxa a ser cobrada
pouco atraente em relação a suas linhas normais de crédito, o Governo liberou a
linha para os demais bancos. E o fez de forma prudente, limitando em 30% do
valor líquido do beneficio o montante da amortização do mútuo.
O crédito
consignado, uma vitória dos sindicatos e dos aposentados, representa uma
inovação que, no limite, põe em xeque a racionalidade do próprio sistema
bancário brasileiro, que pratica, sob diversos pretextos, as mais altas taxas de
juros do planeta. Tendo como principal atividade aplicação improdutiva de suas
reservas em títulos públicos, regiamente remunerados e praticamente sem custo,
os grandes bancos comerciais reduziram sua carteira de crédito pessoal,
impondo-lhe elevados spreads, e se desinteressaram do crédito consignado por ser
de custo e rentabilidade menor. Com isso, deixaram livre o caminho para os
pequenos bancos - com a única exceção da Caixa Econômica Federal, que tem forte
tradição na prestação de serviços aos pequenos poupadores e correntistas.
O crescimento e o êxito do crédito consignado, do ponto de vista do
interesse público, põem em pauta, concretamente, o imperativo de que o sistema
bancário brasileiro venha a se ajustar a uma forte redução da taxa básica de
juros, que reduza, significativamente, a remuneração dos títulos públicos e que
o obrigue a uma remuneração razoável e compatível com os resultados de sua
atividade precípua, na intermediação financeira entre detentores de poupança e
tomadores de empréstimos.
Não será surpresa, por isso, que surja uma
campanha subreptícia contra o crédito consignado, apresentado ora como uma
modalidade que explora a boa fé dos idosos, ora como uma espécie de crédito que
embute um subsídio implícito - motivos suficientes, na terra do mais
extravagante sistema bancário-financeiro de que se tem notícia, para a
perpetuação institucional deste, como única forma de blindagem contra uma
eventual reforma da política monetária, que vem se orquestrando desde o início
da crise política que assola o país.
As críticas superficiais que se
referem ao custo ainda elevado e a uma suposta exploração dos idosos
desmancham-se por si. Disso é prova o grau de satisfação revelada, na pesquisa,
pelos tomadores do crédito, sem dúvida os mais credenciados testemunhos da
funcionalidade do sistema. Outra evidência é o uso que fizeram dos recursos
obtidos, livrando-os dos custos financeiros escorchantes que pagavam nos
empréstimos, anteriormente, contraídos junto ao sistema bancário tradicional ou
aos agiotas privados. Um terceiro fator positivo foi a efetiva contribuição que
o crédito consignado deu ao aumento da demanda efetiva de bens de consumo
duráveis, favorecendo a retomada da economia e do emprego.
Quanto à
funcionalidade bancária do crédito consignado, convém lembrar que ninguém quebra
emprestando pouco para muita gente, sobretudo a partir de garantias
absolutamente sólidas, como ensinava, em passado não muito remoto, o fundador do
Bradesco, Amador Aguiar. Se vivo fosse, certamente, levaria o seu banco a
explorar esse filão de mercado, que tudo tem a ver com a filosofia que converteu
o Bradesco no maior banco de varejo do país. Bem verdade, que eram áureos tempos
em que os bancos disputavam o cliente, não apenas para captar poupança, a ser
aplicada em dívida pública, mas para conceder empréstimos a juros civilizados,
que o tomador, pessoa física ou jurídica, podia obter sem risco de insolvência,
hoje determinada, em grande parte, pelas exorbitantes taxas de juros cobradas.
O crédito consignado tem, assim, na institucionalidade peculiar do
sistema bancário brasileiro, o singular papel de colocar em xeque a sua própria
funcionalidade, instaurando uma discussão que poderá levar à restauração dos
vínculos entre o sistema bancário-financeiro e o setor produtivo da economia, os
quais vêm operando como se fossem compartimentos estanques - exceto quanto à
intermediação entre a poupança captada e sua aplicação maciça nos títulos do
Tesouro.
|