Grandes "players", como Bradesco e Itaú, assumem negócios de
pequenos e médios. Uma nova rodada de reacomodação de terreno no sistema
financeiro toma curso após o mercado assimilar a intervenção no Banco Santos.
Instituições especialistas em crédito ao consumo, bem situadas no segmento de
pequena e média rede, prosseguem como alvo dos grandes conglomerados. Só que
desta vez, não só as compras aparecem como trampolim para os ganhos de escala e
os atalhos também vêm pela aquisição parcial e programada de carteiras.
Só ontem, três acordos foram divulgados. O Banco Itaú Holding Financeira
anunciou a compra do portfólio de veículos do Banco Intercap. O Banco BMC firmou
contrato de cessão de R$ 2 bilhões em créditos para o Bradesco por três anos. O
Banco BMG, depois de ter selado parceria com o Itaú na semana passada para a
venda de até R$ 2,5 bilhões em operações com desconto em folha de pagamento por
três anos, trouxe a público contrato de cinco anos firmado com a
financeiraCetelem em novembro. A transação envolveu não só um parceiro
estrangeiro - a subsidiária do gigante francês BNP Paribas -, como também prazo
e volumes maiores: serão liberados R$ 6 bilhões por cinco anos.
As
cessões de crédito são operações corriqueiras, usualmente feitas entre
instituições de pequeno e médio porte, mais limitadas na alavancagem, e bancos
maiores. São transações que ganham, porém, relevância num momento em que a
liquidez se aperta para o setor que não conta com a disposição dos investidores
institucionais para comprar Certificados de Depósitos Bancários (CDBs) ou cotas
de fundos de recebíveis. A diferença é que as últimas operações trazem prazos
mais amplos e uma programação regular de desembolsos, vital para a expansão dos
negócios.
"Precisávamos suprir a operação nova de INSS (de crédito em
consignação para aposentados) com uma captação de longo prazo e havia uma
preocupação com Basiléia", diz a vice-presidente do BMC, Andréa Pinheiro,
referindo-se ao índice que mede o capital necessário para fazer frente aos
ativos ponderados por riscos. "Teríamos dificuldades para crescer em outras
carteiras. O funding do Bradesco é longo, vem casado com as nossas operações e
aumenta a rentabilidade sem afetar Basiléia - que deve virar o ano em 15%, acima
dos 11% exigidos pelo BC.
O acordo com o Bradesco prevê a liberação de
R$ 50 milhões mensais por 36 meses. Com uma carteira que deve fechar o ano na
casa dos R$ 350 milhões - sendo R$ 150 milhões em operações com desconto em
folha de pagamento -, o fôlego novo vai dar ao BMC condições de crescer na
carteira de "middle market". "O banco pretende dobrar o portfólio de
recebíveis", diz Andréa. Segundo a executiva, o banco observou um movimento de
saque alguns dias após a intervenção no Banco Santos, especialmente dos fundos
de pensão, mas nada expressivo, já que metade dos depósitos vem de pessoas
físicas e jurídicas. "Ajudou muito o fato de o banco ter captação pulverizada e
não depender tanto de institucional."
As conversações do BMG com a
francesa Cetelem iniciaram há mais de um ano. Duas tranches de R$ 100 milhões já
chegaram aos caixas do banco e serão mais R$ 100 milhões mensais pelos próximos
58 meses. "Os bancos de pequeno e médio porte estão tentando obter recursos com
maior segurança e essa parceria vai neste sentido", diz o diretor-geral da
Cetelem, Georges Régimbeau. "É um momento que oferece oportunidades, mas que têm
que ser avaliadas com muito critério."
No Brasil, a Cetelem já
participa, desde 2000, de uma "joint venture" com o Carrefour na administradora
de cartões da rede de varejo e mantém outras parcerias em cartões "private
label" com lojistas na distribuição da bandeira Aura que trouxe para o País. No
ramo financeiro, este é o segundo acordo sedimentado - o outro é com o Banco
Cruzeiro do Sul, emissor do Aura. Em dois anos de atividade própria, a carteira
chega a R$ 400 milhões. Com o acordo com o BMG, os investidores franceses já
contrataram o tamanho e a velocidade da expansão no mercado brasileiro."A
Cetelem prioriza o Brasil com um dos mercados focos para o seu desenvolvimento e
esta parceria traz condições concretas", assinala Régimbeau.
Para o
vice-presidente do BMG, Roberto Rigotto, o "funding" programado e de longo prazo
se apresenta como uma feliz tendência para o setor. "Os grandes bancos
entenderam que se diversificarem suas carteiras vão crescer em todos os
sentidos: tamanho, custo de funcionários e o interesse que se mostra não é pela
aquisição e sim pela expertise." No primeiro trimestre, a previsão é de que o
primeiro produto da parceria dupla já esteja no mercado, com o cartão BMG com
bandeira Aura.
Veículos usados
O Itaú, ao comprar as operações
do Intercap, pontua a presença no ramo de veículos usados, com mais de sete
anos. A transação envolve a aquisição, em 31 de janeiro, da carteira de R$ 184
milhões (valor indicativo), a promotora de vendas por R$ 65,5 milhões, uma base
de 178 mil clientes e uma rede de 1,1 mil lojistas concentrados no interior de
São Paulo. "Este é o melhor mercado em liquidez para os financiamentos", diz o
diretor executivo do Itaú, Marco Bonomi. "Estamos comprando a capacidade de
gerar negócios do Intercap, numa operação com níveis de inadimplência parecidos
com o nosso (em 2%)." Com uma carteira de veículos de R$ 5,3 bilhões, a
estimativa é de que o negócio agregue mais R$ 500 milhões ao portfólio em um
ano.
O Banco Intercap, por sua vez, deixa o negócio de financiamento de
veículos pelo menos pelos próximos cinco anos, como está no contrato, e vai se
dedicar à corretora do grupo, associada à BM&F. Segundo o diretor Renato
Diniz Junqueira, a decisão de se desfazer da carteira de crédito foi tomada no
início do ano, com a contratação de um banco de investimento como "adviser", não
tendo relação com a intervenção no Banco Santos. "Saímos para não ter que
recorrer aos (investidores) institucionais", diz. "O banco tem uma estrutura de
gestão e financiamento muito boa, que numa instituição grande tem
valor.
"kicker: Especializado em crédito em consignação, o BMG faz novo
acordo: agora, com a Cetelem.
Bancos miram carteiras de consumo |
Gazeta Mercantil - 14/12/2004 |
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