Veja

O globo, n. 31757, 18/07/2020. País, p. 18

 

Ex-mulher de Bolsonaro comprou 14 imóveis

Juliana Dal Piva

Chico Otavio

18/07/2020

 

 

Algumas das transações, da época em que ela ainda era casada com o presidente, foram feitas em dinheiro; em ao menos seis casos, as escrituras das negociações registraram preço abaixo do usado para calcular e pagar imposto

 Ana Cris­ti­na Si­quei­ra Val­le, se­gun­da ex-mu­lher do pre­si­den­te Jair Bol­so­na­ro, com­prou 14 imó­veis du­ran­te o tem­po em que fi­cou ca­sa­da com ele, de 1997 a 2008. Al­guns, com di­nhei­ro vi­vo, se­gun­do re­ve­lou, on­tem, re­por­ta­gem da re­vis­ta Épo­ca.

A evo­lu­ção pa­tri­mo­ni­al de Ana Cris­ti­na é in­ves­ti­ga­da pe­lo Mi­nis­té­rio Pú­bli­co do Rio jun­to com o es­cân­da­lo das “ra­cha­di­nhas”, prá­ti­ca de de­vo­lu­ção de sa­lá­ri­os de as­ses­so­res aos po­lí­ti­cos que os con­tra­ta­ram. As apu­ra­ções en­vol­vem não só os man­da­tos do atu­al se­na­dor Flávio Bol­so­na­ro quan­do era de­pu­ta­do es­ta­du­al na Alerj, mas tam­bém do ga­bi­ne­te na Câ­ma­ra do Rio de Car­los Bol­so­na­ro, de qu­em Ana Cris­ti­na foi che­fe de ga­bi­ne­te por se­te anos.

No anos 1990, quan­do tra­ba­lha­va no ga­bi­ne­te do de­pu­ta­do fe­de­ral pe­la Bahia Jo­ni­val Lu­cas — on­de co­nhe­ceu Bol­so­na­ro —, Ana Cris­ti­na não pos­suía imó­veis. Já ca­sa­da com Bol­so­na­ro, Ana Cris­ti­na se trans­for­mou em ávi­da ne­go­ci­a­do­ra imo­bi­liá­ria, co­mo mos­tra le­van­ta­men­to da Épo­ca fei­to com ba­se em qua­se 40 es­cri­tu­ras de com­pra e ven­da e 20 re­gis­tros em car­tó­ri­os no Rio de Ja­nei­ro e em Bra­sí­lia. Do fi­nal de 1997 até 2008, Ana Cris­ti­na com­prou, com Jair, 14 apar­ta­men­tos, ca­sas e ter­re­nos, que so­ma­vam um pa­trimô­nio, em imó­veis, ava­li­a­do em cer­ca de R$ 3 mi­lhões na da­ta da se­pa­ra­ção — o equi­va­len­te a R$ 5,3 mi­lhões em va­lo­res cor­ri­gi­dos pe­la in­fla­ção.

Bol­so­na­ro, quan­do se uniu a ela, ti­nha ape­nas dois apar­ta­men­tos no Rio e um ter­re­no on­de de­pois cons­truiu uma ca­sa em An­gra dos Reis. Um de­les fi­cou com a pri­mei­ra mu­lher, Ro­gé­ria Nan­tes Bol­so­na­ro. Tu­do ha­via si­do ad­qui­ri­do en­tre 1996 e 1997. Na dé­ca­da se­guin­te, a car­tei­ra imo­bi­liá­ria de Ana Cris­ti­na se mul­ti­pli­cou.

“MO­E­DA COR­REN­TE”

Nas es­cri­tu­ras guar­da­das há qua­se 20 anos, há in­for­ma­ções de que, na com­pra de cin­co des­ses 14 imó­veis, o pa­ga­men­to foi “em mo­e­da cor­ren­te”, ou se­ja, em di­nhei­ro vi­vo. Fo­ram du­as ca­sas, um apar­ta­men­to e dois ter­re­nos — tu­do fei­to em ne­go­ci­a­ções se­pa­ra­das ocor­ri­das en­tre 2000 e 2006, que so­mam R$ 243.300, em di­nhei­ro da épo­ca. Ho­je, se­ri­am R$ 680 mil, co­ma in­fla­ção cor­ri­gi­da pe­lo IPCA de acor­do com a da­ta de ca­da com­pra.

Em uma mes­ma se­ma­na, em maio de 2000, fo­ram re­gis­tra­das as du­as pri­mei­ras ne­go­ci­a­ções. A pri­mei­ra foi a aqui­si­ção de um apar­ta­men­to de 69 me­tros qua­dra­dos em Bra­sí­lia, por um to­tal de­cla­ra­do de R$ 75 mil (R$ 247 mil em va­lo­res cor­ren­tes).

Qua­tro di­as de­pois, Ana Cris­ti­na re­gis­trou a com­pra de uma ca­sa de 135 me­tros qua­dra­dos, em Re­sen­de. O va­lor da ne­go­ci­a­ção foi in­for­ma­do co­mo sen­do de R$ 48 mil (R$ 158 mil em mon­tan­te atu­a­li­za­do) e o es­cri­vão re­gis­trou, na es­cri­tu­ra, que a ven­de­do­ra de­cla­ra ha­ver re­ce­bi­do em mo­e­da cor­ren­te.

En­tre os imó­veis ad­qui­ri­dos em di­nhei­ro, cons­tam ain­da dois ter­re­nos no Con­do­mí­nio Re­si­den­ci­al Li­mei­ra Tê­nis Clu­be, um dos mais no­bres de Re­sen­de. O pri­mei­ro foi com­pra­do em 2003 por R$ 38 mil (R$ 90 mil atu­ais) e o se­gun­do, em ju­nho de 2005, por R$ 42.125 (R$ 94 mil).

A quin­ta e úl­ti­ma das ne­go­ci­a­ções em di­nhei­ro vi­vo acon­te­ceu na pró­pria fa­mí­lia Bol­so­na­ro. O imó­vel no bair­ro ca­ri­o­ca de Ben­to Ri­bei­ro é usa­do pe­lo co­mo es­cri­tó­rio po­lí­ti­co des­de a dé­ca­da de 1990, mas só foi for­mal­men­te ad­qui­ri­do em 2006. An­tes dis­so, ela per­ten­cia a Renato Bol­so­na­ro, ir­mão dop re­si­den­te. Ao 17º Ofí­cio de No­tas da Ca­pi­tal, Bol­so­na­ro e Ana Cris­ti­na de­cla­ra­ram ter com­pra­do o imó­vel por R$ 40 mil (R$ 93 mil em va­lo­res cor­ren­tes), pa­gos em di­nhei­ro.

Em ao me­nos seis ca­sos, as es­cri­tu­ras das ne­go­ci­a­ções re­gis­tra­ram pre­ço abai­xo do que foi usa­do pa­ra cal­cu­lar o im­pos­to pa­go so­bre a trans­mis­são de bens imó­veis, o ITBI. Bol­so­na­ro de­cla­rou, na 2018, ter du­as ca­sas, em pa­trimô­nio de R $2,2 mi­lhões.

O ad­vo­ga­do de Ana Cris­ti­na, Mag­num Car­do­so, dis­se re­pu­di­ar “com ve­e­mên­cia qual­quer afirmação, de qu­em qu­er que se­ja, in­di­can­do a prá­ti­ca de qual­quer ato ilí­ci­to por par­te de Ana Cris­ti­na Si­quei­ra Val­le”.

DE­PÓ­SI­TO DE QU­EI­ROZ

Ain­da on­tem, o jor­nal “Fo­lha de S.Pau­lo” pu­bli­cou re­por­ta­gem mos­tran­do que de­pó­si­to fei­to pe­lo ex-as­ses­sor de Flávio Bol­so­na­ro Fa­brí­cio Qu­ei­roz, no va­lor de R$ 25 mil em di­nhei­ro, na con­ta de Fer­nan­da Bol­so­na­ro, mu­lher de Flávio, aju­dou o ca­sal a dar a en­tra­da na com­pra de uma co­ber­tu­ra em 2011. Uma se­ma­na de­pois do de­pó­si­to, Fer­nan­da fez trans­fe­rên­cia pe­la com­pra do imó­vel.