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Título: Santander quer competir com banco público no Brasil
Autor: Maria Christina Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 13/07/2006, Finanças, p. C8

A competição só vai crescer no sistema bancário brasileiro quando as instituições públicas trabalharem em igualdade de condições com o sistema privado e o governo reduzir restrições operacionais como o crédito obrigatório na área imobiliária e rural e os compulsórios. "É muito complicado competir com o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal", disse o vice-presidente do Santander, Francisco Luzón, ontem, em entrevista a um grupo de jornalistas brasileiros, antes de sua participação no 5º Encontro Espanha-Iberoamerica sobre os riscos e oportunidades do novo ciclo presidencial do continente, na Universidad Menéndez Pelayo, na cidade de Santander, noroeste da Espanha. O BB e a Caixa Federal concentram 30% dos ativos e outro tanto do total de créditos do sistema financeiro nacional. O Santander Banespa reivindica uma fatia de 10% do mercado nas regiões Sul e Sudeste, considerados créditos, depósitos e administração de fundos. Levando em conta o mercado total brasileiro, o percentual cai para 5% dos negócios, sendo 5,8% das operações de crédito. Para Luzón, isso é consequência do "monopólio" em alguns tipos de créditos como o imobiliário e o rural, derivado de condições especiais das operações e de acesso a fundos baratos como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS).

"Estamos a favor da queda dos juros e da maior competição, o governo precisa fazer a sua parte, reduzindo o compulsório e outras restrições", afirmou Luzón. O executivo não vê em medidas desse tipo ameaças ao sistema financeiro nacional, que considera o mais forte não só da América Latina como também da Ásia, incluindo China.

Para o executivo, "a maior parte do que o banco público faz, os bancos privados também podem fazer". Acha isso possível até mesmo no financiamento de investimentos de longo prazo, embora nesse caso considere necessária a existência de um banco público como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como coordenador da participação dos bancos privados.

Embora afirme que seria "ingênuo" propor o fim do BB e da Caixa, não descarta a privatização desses bancos, como fez a Espanha com seus bancos estatais na década de 90 - processo do qual participou. Antes de entrar no Santander, em novembro de 1996, Luzón, 57 anos, trabalhou no setor financeiro privado de 1972 a 1987, quando então foi para o sistema financeiro estatal. Ele presidiu o Banco Exterior de España, que tinha o monopólio do financiamento do comércio exterior do país e uma parcela de 30% do capital em mãos privadas. Havia meia dúzia de outros bancos estatais, que foram saneados e agrupados na holding Argentaria, então privatizada gradualmente. No período de quatro anos, a Argentaria teve o capital pulverizado em tranches e atraiu 1 milhão de acionistas pessoas físicas.

O trabalho foi facilitado porque a decisão da sociedade de reduzir a participação do Estado na economia já havia sido tomada desde a entrada do país na União Européia, em 1986. "Foi a desculpa perfeita. A direção estava definida; não a intensidade", afirmou. "Na minha opinião, há momentos em que o setor público tem que avançar e, em outros, é o contrário. O Brasil, nos próximos três a quatro anos, tem avançar de forma importante para devolver ao setor privado algumas responsabilidades importantes", disse.

Luzón considera inexorável que a consolidação e estabilização da economia e dos juros vai permitir o desenvolvimento de vários negócios financeiros atualmente adormecidos, como o próprio crédito imobiliário. Para isso, não só o juro nominal tem que cair abaixo dos 10%, mas é necessário haver razoável confiança de que se manterá nesse nível a longo prazo, de modo a dar conforto não só aos tomadores de crédito como também estimular a poupança de longo prazo. Mas, o Santander já está se preparando para isso. Já inovou ao lançar planos de financiamento imobiliário de 20 anos, ao mesmo tempo em que está montando equipe de especialistas na área.

O crédito imobiliário é, para ele, bom exemplo de negócio que dará um salto em condições de competitividade de mercado e estabilidade financeira. A Espanha comemorou nesta semana que o estoque de crédito imobiliário atingiu a cifra de 800 bilhões de euros - quase 95% da carteira total do mercado, que é de 850 bilhões de euros. "Todo o setor privado tem que fazer crédito imobiliário, não só a Caixa Econômica, e competir nesse mercado." Embora a legislação até induza o crédito imobiliário nos bancos, o direcionamento com seus limites de taxas e funding é chamado por Luzón de "modelo maldito". A própria Espanha chegou a ter metade do crédito dirigido, em 1985.

Outro produto cujo futuro considera promissor é o crédito consignado. Mas, novamente, aí há barreiras a vencer. A principal delas, para Luzón, é o fato de a empresa definir onde o trabalhador recebe seu salário - o que inibe o desenvolvimento do mercado. O executivo considera razoável, porém, que o governo limite o endividamento de aposentados e até mesmo coloque algum teto para evitar exageros nesses casos. "O Estado tem a obrigação de proteger o endividamento familiar no caso dos aposentados. Mas tem que haver liberdade para o trabalhador escolher com quem quer fazer a operação porque é isso que baixa os juros."

O banqueiro sabe que o governo brasileiro receia que a liberação dos recursos do compulsório possa estimular a demanda e pressionar a inflação. Novamente Luzón recorre à experiência espanhola que, para evitar essa armadilha, elaborou um plano em que o compulsório sobre os novos depósitos foi sendo reduzido gradualmente enquanto o dinheiro já recolhido sobre o estoque ia sendo liberado, também aos poucos. Esse projeto, lembrou Luzón, foi apresentado desde o ex-ministro Pedro Malan, ao também ex-ministro Palocci e, agora, ao ministro Guido Mantega.